De um lado estão as dezenas de cientistas cujo trabalho tem integrado os relatórios do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), que alertam que a temperatura da Terra está a aumentar devido à acção humana, com consequências graves em algumas partes do globo devido às alterações climáticas. Do outro estão os cientistas que põem em causa esta teoria e questionam o peso da acção humana nas alterações do clima.

De um lado estão as dezenas de cientistas cujo trabalho tem integrado os relatórios do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), que alertam que a temperatura da Terra está a aumentar devido à acção humana, com consequências graves em algumas partes do globo devido às alterações climáticas. Do outro estão os cientistas que põem em causa esta teoria e questionam o peso da acção humana nas alterações do clima.
O embate entre as duas facções vem de há muito, mas a Cimeira de Copenhaga e o escândalo em torno de alegadas manipulações de resultados que, apontando para um aquecimento exagerado da atmosfera - já conhecido como "clima gate" -, colocaram o debate ao rubro um pouco por todo o mundo.
Em Portugal, a clivagem também se faz sentir. O Negócios falou com Carlos Câmara, da Universidade de Lisboa, e com João Corte Real, da Universidade de Évora. O primeiro tem poucas dúvidas quando ao aumento da temperatura. O segundo duvida, e não é indiferente ao "climategate".
Os argumentos ambos os lados são muitos (ver caixas em baixo). E os defensores de um lado e do outro são de peso. Entre as figuras mais destacadas estão Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos, que em 2006 lançou uma alerta global sobre as alterações climáticas ("Uma verdade inconveniente"), e Bjorn Lomborg, o "ambientalista céptico".
Do alerta às soluções
Al Gore não dá importância nem aos que continuam a negar as alterações climáticas, nem aos que o acusam de no documentário "Uma verdade inconveniente" ter usados dados falsos. Aos cépticos, Gore diz: "As alterações que estão a ter lugar na Terra são a uma escala bíblica", leu-se numa entrevista recente concedida ao "New York Times". E, mesmo a tempo da Cimeira de Copenhaga, Gore lançou "A nossa escolha - um plano para resolver a crise climática", um livro sobre as "soluções" para o aquecimento global. "As soluções estão ao nosso dispor. Temos de tomar a decisão já", afirma.
Mas na memória de todos permanecem os alertas lançados há três anos no documentário "Uma verdade inconveniente", de que "a crise climática é, de facto, extremamente perigosa e uma verdadeira emergência planetária". Para Al Gore é necessário agir "corajosa e rapidamente" para evitar "terríveis catástrofes, incluindo mais tempestades, e mais fortes do que o furacão Katrina, tanto no Atlântico como no Pacífico".
Sensato ou provocador?
Bjorn Lomborg, director do Centro de Consenso de Copenhaga, um "think-tank" dedicado a temas ambientais, não nega que o aquecimento global é real e provocado pelo Homem, mas critica o "eco-fanatismo" e o "pânico alarmista causado por verdades inconvenientes como as de Gore, que nos fazem esquecer problemas mais importante como a fome, a pobreza e as doenças.

Lomborg reconhece que as suas posições irritam muitas pessoas: as que acreditam que as alterações climáticas vão conduzir a "catástrofes inimagináveis" e que a única solução é reduzir drasticamente as emissões de dióxido de carbono. Mas não se considera um provocador. "Se tenho essa fama, tal deve-se, simplesmente, ao facto de eu tentar ser equilibrado nas coisas que digo. Essa moderação é entendida como uma provocação, numa altura em que o debate sobre o ambiente está demasiado apaixonado e radicalizado", afirmou numa entrevista recente ao Negócios.
Numa entrevista à Bloomberg, afirmou que Copenhaga se prepara para repetir as "estratégias falhadas" da Cimeira do Rio e de Quioto: "Em 1992 prometeram cortar as emissões de CO2 e não fizeram nada. Em 1997 prometeram cortar ainda mais emissões de CO2 e voltaram a não fazer nada. Devíamos optar por algo politicamente viável e economicamente mais inteligente", defendeu. Para Lomborg, a solução passa por investir na investigação, de forma a que as "energias alternativas se tornem tão baratas que todos, incluindo a China e a Índia, vão querer usá-las".
No debate entre cépticos e não cépticos ninguém sai, por enquanto, vencedor ou derrotado. Só o tempo poderá dizer quem tem razão. Copenhaga será apenas uma batalha nessa guerra.
DEFENSORES
O aquecimento global é provocado pelo homem
Os resultados do último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas), realizado em 2007, revela que "é muito provável que as emissões de gases com efeito de estufa provocadas por acção do Homem sejam a principal causa do aumento global das temperaturas médias desde meados do século XX". Este estudo, o quarto relatório realizado pelo IPCC, antecipa que a temperatura do planeta poderá subir entre 1,8 e 4 graus até 2100, devendo o nível das marés subir até 58 centímetros, multiplicando secas e vagas de calor.
Terra suporta cada vez menos as actividades humanas
Um estudo realizado pela Global Footprint Network revela que a Terra suporta cada vez menos o impacto ecológico das actividades humanas, já que são necessários 18 meses ao planeta para regenerar os recursos que a humanidade consome num ano. Os dados recolhidos numa centena de países indicam que a humanidade consome recursos e produz CO2 a um ritmo 44% mais elevado do que a natureza pode produzir e absorver.
Concentração de gases poluentes atinge recorde
Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), a concentração de gases com efeito de estufa atingiu níveis-recorde e aproxima-se do "cenário pessimista" previsto pelos cientistas. "As novidades não são boas: a concentração dos gases com efeito de estufa continua a aumentar a um ritmo mais rápido", indica o secretário-geral da OMM, Michel Jarraud. A concentração de CO2, o principal gás com efeito de estufa, aumentou 38% desde 1750, cem anos antes da Revolução Industrial, e contribuiu, desde então, para 63,5% do crescimento do efeito de estufa na atmosfera, segundo os dados da OMM. Este contributo passou mesmo para 86% nos últimos cinco anos. Esta situação "confirma a tendência para um aumento exponencial", afirmou o mesmo responsável, acrescentando: "estamos cada vez mais próximos de um cenário pessimista" apontado pelo Grupo Internacional de Peritos sobre as Alterações Climáticas.
Consequências desastrosas se a temperatura subir 4ºC
David e Ed Miliband, respectivamente, ministros britânicos dos Negócios Estrangeiros e da Energia e Alterações Climáticas, elaboraram um estudo onde se prevê, por exemplo, que vastas áreas da floresta da Amazónia poderão desaparecer devido ao stress sobre
a vegetação ou propagação incontrolável de incêndios num cenário com mais 4ºC. O trabalho mostra que a mortalidade relacionada com o calor e outros impactos nocivos para a saúde deverá aumentar consideravelmente, mesmo tendo em conta a climatização, a adaptação e o menor número de mortes relacionadas com o frio.
CÉPTICOS
As alterações climáticas são um fenómeno natural
Não há provas científicas que mostrem que o aumento dos níveis de dióxido de carbono são provocados pela actividade humana, refere um estudo realizado pela European Foundation. "Este estudo mostra quão ténues, impróprias e falsas são as declarações políticas e científicas de que o aquecimento global é provocado pelo Homem. Há muito poucas evidências que suportem esta teoria", afirmou o autor do estudo, Jim McConalogue.
Previsões de consequências desastrosas são exageradas
Mas, do lado dos cépticos, há quem defenda, como é o caso de Bjorn Lomborg, que o "aquecimento global é real e é provocado pelo Homem". No entanto, criticam o "eco-fanatismo" e o "pânico alarmista". "As declarações sobre as consequências graves, fatais e imediatas do aquecimento global são frequentemente muitíssimo exageradas", defende.
Subida do nível das águas do mar não é catastrófica
Os estudos realizados durante mais de 30 anos pelo professor sueco Nils-Axel Morner sugerem que não "há evidência de que o nível das águas do mar esteja a subir de forma catastrófica", mesmo nas Maldivas e no Bangladesh. Morner argumenta que o principal problema é a erosão costeira e que o nível das águas do mar pode subir 10 centímetros ao longo deste século.
Reduzir as emissões de CO2 não é solução
"Precisamos de soluções mais simples, mais inteligentes e mais eficientes contra o aquecimento global, em vez de esforços excessivos, ainda que bem intencionados", defende Bjorn Lomborg no seu livro "Cool it", onde acrescenta que "as amplas e extremamente caras reduções de dióxido de carbono feitas agora limitar-se-ão a ter um impacto bastante pequeno e insignificante no futuro longínquo".
Visão do IPCC é "claramente limitante"
João Corte-Real refere que a "acção humana tem perturbado o sistema climático, mas não apenas, nem principalmente, através do reforço do efeito de estufa em resultado directo da produção de energia. Não podemos esquecer a desflorestação, os incêndios florestais em grande escala, a supressão da precipitação pela poluição". "A visão do IPCC é claramente limitante, pela redução do problema ao carbono", diz.
Há questões mais importante que o aquecimento global
Do lado dos cépticos argumenta-se muitas vezes que há problemas mais importantes do que o aquecimento global, como a fome, a pobreza e as doenças. "Se os enfrentarmos, podemos ajudar mais pessoas, com menos custos e com muito mais hipóteses de sucesso do que com a implementação de políticas ambientais drásticas com custos de biliões de dólares", defende Lomborg.